O Brasil não tem estrutura para garantir a segurança de todas as barragens em operação em seu território. A Agência Nacional de Mineração (ANM), responsável pela fiscalização, tem apenas
35 fiscais capacitados para atuar nas
790 barragens de rejeitos de minérios – semelhantes às do Córrego do Feijão, em Brumadinho, e à do Fundão, em Mariana – em todo o País. O
rompimento de uma barragem da Vale em Brumadinho, na última sexta-feira (25), causou a morte de ao menos 84 pessoas.
O governo federal usa só laudos produzidos pelas próprias mineradoras ou por auditorias contratadas. São elas que atestam a segurança das suas estruturas. A autorregulamentação é definida na Lei Federal 12.334, de 2010, e é adotado também em outros países. São previstos dois tipos de inspeção: a regular, feita pela própria empresa, e a especial, realizada por equipe multidisciplinar contratada pela empresa, de acordo com orientações da ANM.
O risco é potencialmente mais alto se não houver fiscalização, dizem especialistas. “É claro que não dá para fazer nem uma fiscalização por ano em cada uma”, diz o geólogo Paulo Ribeiro de Santana, da ANM. Segundo ele, os 35 fiscais não trabalham exclusivamente com barragens de rejeitos. “Há outras atividades relacionadas à mineração também, como fiscalização de minas, pesquisa mineral, muitas coisas.”
As raras fiscalizações in loco são feitas quando há discrepância grave nos documentos apresentados pelas empresas à agência ou seguindo rodízio esporádico dos técnicos. “O corpo de funcionários é tão pequeno que eu, geólogo, respondo pela assessoria de comunicação.”
Em 2017, segundo o Relatório de Segurança de Barragens publicado pela Agência Nacional de Águas (ANA),
780 barragens foram fiscalizadas por 29 órgãos estaduais como secretarias e institutos de Meio Ambiente ou por três agências reguladoras federais. O número corresponde a 3,23% do total de 24.092 barragens existentes. No caso da barragem da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), não foi classificada como crítica pela Agência Nacional de Mineração (ANM) no levantamento que originou o relatório.
O mesmo relatório da ANA também apontou que
204 barragens têm potencialidade de dano alto, seja ao meio ambiente ou para pessoas, caso haja algum acidente.
Veja aqui a relação das 790 barragens de mineração registradas no país.
Conflito de interesses
A dificuldade começa no licenciamento ambiental. O documento necessário é elaborado por empresa contratada pela mineradora – e feito com dados e informações repassados por ela. “Obviamente há conflito de interesses claro aí, porque essa empresa não vai querer que o licenciamento não seja aprovado”, avalia o especialista em geomorfologia Miguel Felippe, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
“Esses documentos são extremamente complexos, com uma infinidade de dados, milhares de páginas. Não há corpo técnico no governo para avaliar isso tudo. Não há contraprova. O jeito é confiar nas informações fornecidas pelas empresas”, explica Felippe.
Quando a barragem entra em operação, a dona da estrutura é responsável pelo monitoramento da estabilidade do depósito. Eventualmente, como no caso de Brumadinho, outra empresa pode ser contratada para atestar estabilidade. Mas esse laudo é feito com base em dados fornecidos pela mineradora.
O geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos, ex-diretor de Planejamento do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), diz que, “sob quaisquer circunstâncias, a responsabilidade é do dono da obra”. “Pode ocorrer de ali haver um início de processo de instabilidade não ter sido captado.” Mas, pondera ele, um acidente desse porte não acontece de repente. “Dá avisos, que podem ser detectados visualmente ou por instrumentação.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.