Data do Artigo: 24/03/2023
O incidente, que virou alvo de ação civil pública do Ministério Público Federal (MPF), na última terça-feira (21), reacende o debate sobre os custos e benefícios da geração de energia elétrica por meio de termelétricas nucleares no país. A Agência Brasil ouviu especialistas favoráveis e contrários ao uso desta matriz energética no país.
Em 2022, Angra 1 gerou 4.872 GWh, enquanto sua irmã Angra 2 produziu 9.686 GWh. No total, ambas geraram 14.558 GWh que, segundo a Eletronuclear, seria o suficiente para abastecer toda a região Centro-Oeste.
Há, ainda, a previsão de dobrar a produção até 2031, com a inclusão de duas novas usinas no parque gerador no país.
Uma delas, Angra 3, com capacidade instalada de 1,4 GW, está em construção, com 65% das obras concluídas e previsão de entrada em operação em 2028. Outra usina deverá ter 1 GW de potência até 2031, segundo o Plano Decenal de Energia 2022/2031, divulgado no ano passado.
Segundo o presidente da Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Atividades Nucleares (Abdan), o engenheiro eletricista Celso Cunha, a energia nuclear é uma fonte importante para manter a estabilidade da oferta e garantir a segurança do abastecimento.
Isso porque fontes de energias renováveis, como a hidrelétrica, eólica e solar dependem do clima para que possam abastecer o sistema elétrico nacional.
“Elas [as usinas nucleares] estão sempre ali, com capacidade de produção contínua, independentemente se chove mais ou se chove menos, se venta ou se faz sol. Elas garantem uma estabilidade do sistema”, afirma Cunha.
Segundo ele, além de garantir a estabilidade do sistema, as usinas nucleares – que são um tipo de termelétrica que usa o urânio como combustível –, também são uma fonte de energia limpa, porque não emitem gases do efeito estufa em seu processo de geração, diferente de outras térmicas como aquelas que usam carvão, óleo ou gás natural como combustíveis.
Além disso, ele aponta que as nucleares têm um fator de aproveitamento do potencial gerador melhor do que as eólicas e solares, ou seja, elas conseguem produzir mais energia em relação à capacidade nominal da usina.
Cunha também define como ponto positivo, a possibilidade de construí-las próximas aos centros consumidores de energia, evitando custos elevados com linhas de transmissão.
O doutor em energética e professor aposentado da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Heitor Scalambrini Costa, no entanto, discorda da avaliação da Abdan. Para ele, o Brasil não precisa de usinas nucleares, pois é possível abastecer o país com fontes como energia eólica, hidrelétrica e solar.
“O Brasil, com toda sua diversidade, de água, sol, vento e biomassa, realmente não precisa de uma fonte tão polêmica. O argumento de que as energias eólica, solar e outras fontes seguem ciclos naturais, é inconsistente, do ponto de vista técnico. É possível fazer sistemas híbridos, complementares. Se, à noite, você não tem o sol para fornecer energia, aqui no Nordeste, em particular, os ventos são mais fortes durante a noite. No Sul, se você tem um período de poucas chuvas, é o período que coincide com a colheita da cana, em que você pode queimar o bagaço e produzir energia elétrica”.
Além disso, segundo ele, dizer que a energia nuclear é limpa é um mito, já que os processos de produção do combustível emitem gases do efeito estufa.
“Você tem emissão de gases do efeito estufa na mineração [do urânio], no transporte, nos processos de enriquecimento e produção das pastilhas”.
Há ainda uma questão mais grave, que é a destinação do combustível já usado, o chamado lixo nuclear, que continua emitindo radiação durante anos e apresenta um risco para os seres humanos e o meio ambiente, segundo Scalambrini.
Para Celso Cunha, no entanto, esse combustível não é lixo e pode ser reutilizado, através de um reprocessamento. Segundo ele, o Brasil decidiu não fazer uso desse material, mas poderia gerar recursos vendendo para países que fazem o reprocessamento, como a França e o Japão.
Scalambrini diz que esse resíduo é ainda mais perigoso que o combustível novo, já que contém plutônio e pode ser usado militarmente na produção de bombas atômicas sujas.
Outro ponto destacado por Scalambrini é o risco de acidentes nucleares, como aconteceu em Chernobyl e Fukushima. Para ele não há como garantir que não ocorram novos acidentes, por mais avançados que sejam a tecnologia e os protocolos de segurança.
Já Cunha afirma que os acidentes foram pontuais e explica: Chernobyl aconteceu em uma época em que os protocolos de segurança não eram tão exigentes quanto hoje e Fukushima foi vítima de uma sucessão de incidentes derivados de um terremoto e um consequente tsunami.
Scalambrini explica ainda que a geração da energia nuclear é cara, o que impacta no seu custo.
“O custo é muito mais caro. Chega a ser três a cinco vezes mais caro que a energia eólica, a solar e a que vem das hidrelétricas. E quem pagaria isso seríamos nós na conta”, afirma.
Para Cunha, no entanto, o custo deve ser analisado sob o ponto de vista de estabilidade já que, apesar de ser mais cara, a energia nuclear garantiria a oferta da energia.
“Tem um custo agregado para alguém garantir a estabilidade do sistema”, justifica o presidente da Abdan.
A Abdan aposta que os pequenos reatores nucleares representam o futuro da geração de energia termelétrica nuclear.
“Serão reatores que você produz e homologa nas fábricas e traz direto para o site [local onde será instalado para gerar energia]. O problema de construção, que leva um tempão, reduz muito. O volume de investimentos no empreendimento é muito menor”, explica Cunha.
Os pequenos reatores também prometem resolver o problema de inflexibilidade da quantidade de energia das grandes usinas nucleares, já que eles permitem aumentar e reduzir carga mais rapidamente do que grandes reatores.
Segundo Cunha, por isso, os pequenos reatores podem ser complementares aos parques geradores eólicos e solares. “Você pode trabalhar junto com a solar e eólica e compensar a flutuação que existe”.
Scalambrini diz que esses pequenos reatores apresentam os mesmos riscos que os grandes reatores, incluindo os resíduos radioativos e a possibilidade de acidentes.
Sobre a construção de Angra 3, que se arrasta por quatro décadas, os dois especialistas também divergem. Cunha diz que o custo para a conclusão da obra está hoje em torno de R$ 21 bilhões. No entanto, segundo ele, suspender as obras e desmontar a estrutura já construída custaria algo em torno de R$ 15 bilhões.
“Não tem o menor sentido você paralisar aquilo. O custo daquela energia não será o custo de uma obra normal. É uma obra que já parou três vezes. Esse é o custo Brasil, da famosa ponte que você constrói mas não tem a cabeceira nem a estrada. Você precisa de continuidade: começo, meio e fim”, afirma Cunha, que defende que o governo ceda espaço à iniciativa privada na geração de energia nuclear.
“Deixa a iniciativa privada construir e operar. E a gente vai manter regulação e controle desse projeto, através da Autoridade Nacional de Segurança Nuclear, que foi criada para fazer isso”.
Já Scalambrini defende a paralisação das obras de Angra 3 e que a estrutura já erguida seja desmontada. Segundo ele, isso não custará tanto, uma vez que a usina nunca entrou em operação e, por isso, não precisará ser descontaminada.
Além disso, ele defende que seja estabelecido um cronograma para que as usinas de Angra 1 e 2 sejam desativadas.
“É óbvio que não se faz isso do dia para a noite, mas que se coloque isso como uma meta. Se é para fazermos termelétricas, vamos fazer com biomassa, vamos utilizar resíduos da agricultura”.
Segundo ele, é importante que o governo envolva a sociedade na discussão sobre os rumos da matriz energética no futuro,.
A Agência Brasil entrou em contato com o Ministério de Minas e Energia para saber sobre dos planos do novo governo em relação à energia nuclear, mas não obteve resposta.