Data do Artigo: 22/06/2024
Antes de vir para o Brasil, Camara vivia na capital da República Democrática do Congo, Kinshasa. O país vive constantes conflitos. Foi para fugir da guerra que Camara chegou ao Brasil, onde conseguiu refúgio. Ele fez cursos de coquetelaria e chegou a trabalhar em um restaurante no Leblon, bairro nobre da zona sul carioca, mas acabou sendo demitido na pandemia. Hoje ele tem a própria barraca, onde vende drinks na Pedra do Sal, local de importância histórica e cultural no centro do Rio.
“Meu sonho, o que eu queira um dia, se Deus quiser, é abrir uma empresa para poder ajudar o povo refugiado para chegar no Brasil”.
Camara transferiu, neste final de semana, a barraca da Pedra do Sal para o Rio Refugia 2024. O evento está na nona edição e marca o Dia Mundial do Refugiado, dia 20 de junho. A feira realizada no Sesc Tijuca, na zona norte do Rio de Janeiro, reúne gastronomia, oficinas culturais, moda, artesanato e atividades para as crianças. São 27 barracas com representantes de 12 países.
Próxima à Ngolonisadrinks, de Camara, está a barraca Comida Chévere, de Echezuria. “Vendemos uma comida típica da Venezuela, que se chama arepa, feita com farinha de milho pré-cozida”, explica o venezuelano, que veio para o Brasil há 7 anos com dois filhos, um de 7 e outro de 10 anos e com a esposa, na época, grávida de oito meses da terceira filha do casal.
“Na verdade, não foi uma escolha, porque quando a gente foge da Venezuela, ou quando qualquer pessoa foge de um país, a gente não tem escolha, a gente vai para onde tem que ir. Então, não foi uma escolha, assim, vou para lá. A gente chegou aqui de paraquedas e a gente ficou”, conta Echezuria.
De acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), mais de 120 milhões de pessoas em todo o mundo estão deslocadas à força de suas casas devido a perseguições, conflitos, violência e violação de direitos. Isso significa que se todas essas pessoas vivessem atualmente em um mesmo território, elas formariam o 12º país mais populoso do mundo. Segundo o Acnur, esse número vem crescendo, e é mais do que o dobro do que havia há dez anos, em 2014, quando havia 59 milhões de pessoas vivendo nessa condição.
Como uma das milhões de pessoas refugiadas no mundo, Echezuria sonha em se estabelecer e conseguir ter qualidade de vida. “Sobre os planos, a gente tem o nosso empreendimento, que é o Comida Chévere. É crescer com o empreendimento, tratar de abrir um restaurante, uma loja. A gente agora é um microempreendedor, trabalha em feiras, em eventos, mas o futuro é crescer, ter uma loja física, estar um pouco mais estruturado”, diz.
Dos três, Al Najjar é a que está há menos tempo no Brasil, 3 anos. Na época, era casada, mas acabou se separando e hoje luta para viver sozinha com a filha de 3 anos, que nasceu já em solo brasileiro. “Eu estou tentando me adaptar, porque estou sozinha, não tenho família, não tenho suporte”, diz. Ela conta que encontrou apoio em organizações como a Caritas. Também por conta da organização, hoje ela dá aulas de inglês.
Na feira, ela mostra aos visitantes a caligrafia árabe. “Na realidade, é bom mostrar a nossa cultura para as pessoas porque, normalmente, só se conhece a parte negativa da nossa cultura. E especialmente a cultura libanesa, ela é uma mistura de culturas, por estar próxima à Europa, Ásia e África. Eu penso que está no centro do mundo. É uma mistura, as pessoas falam árabe, inglês, francês, tudo junto. Eu gostaria que as pessoas conhecessem o lado bonito da nossa cultura, que é feita de amor e generosidade”, diz.
Para a filha, ela faz questão de ensinar a culinária libanesa e também de cria-la da forma como os pais a criaram, tratando bem as pessoas e valorizando a educação. Al Najjar tem mestrado e diz que sempre estudou muito. A professora conta ainda que não é apenas ela que ensina a filha, mas que também aprende muito com a criança. “Ela ama dançar e tem essa personalidade que eu acho que é bem brasileira, ela ama pessoas. Eu era mais tímida, mas agora, mudei muito por causa dela. Ela me ensina muito”.
As trocas são o objetivo final da feira, de acordo com a organização. “É um lugar onde a gente tenta proporcionar um encontro entre as pessoas, entre as histórias, entre as culturas, para que a gente possa conhecer um pouco mais da cultura dos refugiados e entender como que a gente ganha quando a gente recebe essas pessoas”, diz a coordenadora do Programa de Atendimento a Refugiados (Pares) Caritas, Aline Thuller.
“A gente sempre tem a tendência de pensar que o Brasil está ajudando refugiados. Na verdade, a gente cumpre um compromisso humanitário que foi assumido pelo país e quando a gente recebe essas pessoas, a gente ganha”, acrescenta.
“Quando a gente fala de refúgio, muitas vezes a gente quer saber o que motivou a saída, como que foi a chegada, o que teve de sofrimento. São pessoas que estão vivendo, construindo suas vidas, fazendo coisas muito bacanas, muito dinâmicas, trazendo e movimentando a economia e a cultura da cidade”, diz a diretora pedagógica do Abraço Cultural , Cacau Vieira. “São pessoas de vários lugares do mundo, com seus talentos com suas culturas, o que torna o ambiente mais dinâmico. Mais importante, eu acho que é uma data, então, para a gente falar sobre dignidade humana, sobre os direitos mais fundamentais”, complementa, o analista de projetos sociais do Sesc, Daniel Moura.
O Rio Refugia 2024 é realizado todo ano pelo Abraço Cultural, PARES Cáritas RJ, Feira Chega Junto e Sesc RJ, com o apoio do Acnur. O evento ocorre no sábado (22) e domingo (23), entre 11h e 18h, no Sesc Tijuca, na Zona Norte do Rio de Janeiro.